Quebra da safra de cana na Índia: oportunidade para produtores brasileiros

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Entre 26 de janeiro e 07 de fevereiro, 10 representantes de usinas sucroenergéticas brasileiras concluíram visita à Índia para aprofundar conhecimentos sobre o mercado de açúcar e etanol daquele país, segundo maior produtor de cana-de-açúcar do mundo depois do Brasil.

A visita, iniciativa da consultoria StoneX, contou ainda com a participação de Martinho Seiiti Ono, CEO da SCA Etanol do Brasil. A empresa é referência nos setores de etanol, biodiesel e na aquisição de produtos e serviços para empresas do agronegócio. Nesta conversa após a volta ao Brasil, o executivo detalhou o que observou, naquele que é o principal concorrente do Brasil em produção açucareira. O estágio em que se encontra o programa indiano de mistura de etanol à gasolina também esteve na pauta da viagem:

Resumidamente, quais as principais constatações após diversos encontros com produtores e entidades setoriais da Índia?

Foram 12 dias em solo indiano, inicialmente na região de Maharashtra. Visitamos o Vasantdada Sugar Institute (VSI, na sigla em inglês), correspondente ao Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) no Brasil. Desde 1975 a VSI trabalha com o desenvolvimento genético da cana e estudos laboratoriais relacionados ao açúcar e etanol. Tive a oportunidade de conhecer in loco a produção de cana em duas usinas indianas. A primeira chamada Baramati Agra Sugar, pertencente a um grupo com mais quatro unidades produtoras, e outra, a Shree Renuka Sugars, que tem onze unidades naquele país. Igualmente visitei uma refinaria de açúcar, que se destaca entre as mais importantes da Índia. Chamou a atenção o fato de que eles refinam o açúcar VHP importado do Brasil e exportam 100% do volume industrializado para países vizinhos e da África. No porto de Mundra, o maior da costa indiana, reuni-me com executivos do Grupo Adani, uma das maiores empresas de capital privado do país. E, por fim, visitamos a Associação Indiana de Usinas de Açúcar (ISMA, na sigla em inglês) e o consulado brasileiro em Mumbai.

O que motivou esta nova visita de empresários brasileiros à Índia?

O meu propósito maior foi entender um pouco mais sobre o comprometimento dos produtores e do governo indiano com o programa doméstico de mistura de etanol à gasolina, que estabeleceu meta de 20% para 2026. Acredito que este seja o desafio mais importante para a descarbonização da frota veicular local e diversificação da produção de biocombustíveis na Índia. Ressalte-se que este plano indiano, em tese, é bem ambicioso ao considerarmos o curto prazo. No Brasil, onde a adição de etanol anidro ao combustível fóssil atinge hoje a proporção de 27%, este desafio foi também relevante no passado. Vale lembrar a cronologia desta mistura em nosso país. Em 1976, oscilou entre 10% e 22%. Em 1993, o governo fixou em lei a adição de 22% do biocombustível. Duas décadas depois, os limites foram a um mínimo de 20% e um máximo de 25%. Somente no ano de 2015 a mistura passou para 27%.

Quais são os maiores obstáculos a serem superados pelos indianos na produção de etanol de cana?

Essencialmente, a disponibilidade de matérias-primas destinadas à fabricação do biocombustível. Para ficar mais claro, façamos um breve comparativo entre Índia e Brasil, que possui 8,5 milhões de km²  de área, com população de quase 215 milhões de habitantes. A Índia tem 3,8 milhões de km². Ou seja, 40% da área brasileira, mas com uma população sete vezes maior. Ressalte-se que a divisão geográfica da terra rural na Índia é desproporcional à do Brasil. Além disso, as propriedades rurais indianas são infinitamente menores e menos produtivas do que as brasileiras. Em síntese, a Índia não tem área para crescer em nenhuma cultura agrícola, além da que já existe. A grande questão é sobre o que eles vão plantar mais: cana-de-açúcar, arroz, milho ou trigo. Existe, basicamente, uma disputa pelo uso da terra para uma produção que proporcione melhor remuneração ao agricultor. No médio e longo prazo, considerando a limitação de área agrícola na Índia, o desafio é aumentar a produtividade das lavouras para suprir necessidades alimentares da população. Em relação ao etanol, não acredito em grandes investimentos para o desenvolvimento deste setor e, consequentemente, no cumprimento da mistura de 20% de etanol anidro na gasolina em 2026.

Para a Índia manter o compromisso de mistura de anidro na gasolina até 2026, haverá necessidade de importar etanol?

Eu não tenho o otimismo exacerbado sobre a política indiana de importação de etanol e como o país garantirá o cumprimento integral desta política. Indiretamente, a importação desestimularia o investimento em refinarias de açúcar ou na produção de etanol a partir do arroz, sorgo e milho,  culturas já limitadas em termos de área cultivada. No arroz e no melaço de cana ainda existem margens, mesmo que baixas, para se produzir etanol. Anualmente, o consumo de gasolina na Índia é da ordem de 45 bilhões de litros. Para atender à mistura de 20%, seria necessário produzir e/ou adquirir cerca de 10 bilhões de litros de etanol anidro.

Quais são as principais diferenças entre a produção de cana no Brasil e na Índia?

No cultivo da cana-de-açúcar indiana, consideremos dois fatores: os subsídios e a logística de produção. Sobre o primeiro ponto, já há algum tempo a Índia concede créditos com o objetivo de aumentar a renda dos produtores e manter o abastecimento interno de açúcar. Esta política também tem o caráter social de manter o homem produzindo no campo, evitando-se a migração em massa desta população para os centros urbanos. Em relação à logística de produção é necessário ter em mente que o tamanho médio da área de um fornecedor de cana indiano varia de um a quatro hectares. No Brasil, este índice é bem maior, e o empresário se preocupa muito mais com a área ao redor de sua usina, especialmente com a quantidade de cana que precisa ter, própria ou de arrendatários, para movimentar sua indústria. Na Índia, os usineiros priorizam a fidelização dos fornecedores, pois as usinas são quase 100% dependentes da cana entregue por milhares de pequenos agricultores. Vale ressaltar que a cana brasileira tem de seis a sete cortes durante seu ciclo, enquanto na Índia são, no máximo dois cortes. Portanto, a decisão de mudança de um canavial para outra cultura agrícola pode ser tomada de 12 a 24 meses naquele país. Por isso é imperativo que as usinas indianas mantenham uma relação de maior proximidade com seus fornecedores.

Não havendo a possibilidade de expansão da área cultivada, como a Índia tem investido para aumentar a produtividade de suas lavouras?

O foco é melhorar a produtividade por meio do desenvolvimento genético e técnicas de irrigação. Sobre a irrigação, cabe ponderar que, no Brasil, onde temos abundância de terras, com um ciclo de até sete cortes, vemos, pontualmente, somente algumas propriedades com este recurso. Como fazer isso em um país como a Índia, cujos custos deste sistema em pequenas fazendas demandam investimentos mais elevados? Diante da limitação de área plantada, vejo com muita dificuldade a modernização do processo de irrigação e mecanização do plantio e da colheita de cana na Índia. Lá, o cenário geral da agricultura é de subsistência. Vejo a Índia investindo muito em infraestrutura rodoviária e portuária. Neste quesito eles estão à frente do Brasil. Porém, em termos de produtividade e extensão de área rural, o Brasil tem vantagem.

Na condição de segundo maior produtor global de cana depois do Brasil, qual será o papel da Índia no mercado internacional de açúcar nos próximos anos?

O que eu vi de concreto na Índia foi uma safra canavieira apresentando quebra de 10% a 15%. As informações que recebi dão conta de uma forte estiagem esperada em julho e agosto, que comprometerá a moagem deste ano e do ano que vem. Devido a essa falta de chuvas, especialmente nos estados de Maharashtra e Karnataka, o processamento atual de cana resultará em aproximadamente 31 milhões de toneladas de açúcar. Deste total, 28,5 milhões de toneladas serão destinadas ao consumo interno. Importante salientar que a Índia dispõe de uma reserva baixa do produto, o que levou o governo local a estabelecer um estoque de até 6,5 milhões de toneladas a fim de garantir a segurança alimentar da população. Isso significa que, no mercado de exportação, é muito pouco provável um destaque indiano em 2024 e 2025. Ou seja, para esta safra e a vindoura as ofertas de açúcar da Índia estão comprometidas. Tendo em vista este cenário, a precificação vem se revelando excelente para os produtores brasileiros.